Um dos episódios mais marcantes
da Bíblia, é sem dúvida aquele que nos relata a tragédia que envolveu
certamente centenas de crianças, que foram vítimas de autêntico massacre por
parte de um homem ambicioso, sem escrúpulos, nem temor a Deus.
Uma simples criança causou tanto
transtorno e perturbou não só um rei, como também uma cidade inteira. Como pode
isto ser possível, quando afinal até conheciam as profecias e sabiam que o
Cristo um dia havia de nascer? Herodes não tinha nada que temer em relação ao
menino Jesus. Quando adulto, um dia disse Ele a Pilatos: “o meu reino não é
deste mundo”.
Muitas vezes acontece, que
conhecemos as escrituras e até os propósitos de Deus, mas quando Ele decide atuar,
sentimo-nos incomodados, inseguros e também desconfortados na nossa rotina
diária. O Senhor sempre desejou participar e ser cúmplice nas nossas vidas, no
entanto gostamos muito mais de reinar sozinhos. Por isso muitos se tornam
peritos em abortar tudo quanto lhes pareça uma ameaça e um estorvo, e não olham
a meios para atingirem os seus fins.
Foi com muita tristeza que já
participei em dois referendos nacionais para a despenalização do aborto, à
segunda vez, finalmente foi conseguido o objetivo pretendido e hoje
infelizmente o aborto no nosso país já não é crime.
Creio ter sido uma
irresponsabilidade muito grande por parte dos nossos governantes o terem
submetido vidas humanas indefesas sem qualquer tipo de recurso ou alternativa,
ao julgamento de um povo moralmente e espiritualmente impreparado.
Comportaram-se como Pilatos no lavar das mãos, mas por mais que as lavem
estarão sempre manchadas de sangue inocente, a menos que o temor do Senhor se
apodere deles e reconheçam a sua pecaminosa irresponsabilidade.
A lei portuguesa já contemplava
três situações possíveis de aborto: gravidez de risco, má formação congénita e
gravidez por violação. Já por si só estas contemplações estavam muito aquém de
serem justas e coerentes. Suponhamos que uma jovem é violada, e apesar do
trauma dessa relação decide levar a sua gravidez até ao fim, mas com o decorrer
do tempo, algumas circunstâncias inevitavelmente lhe trazem à memória os
fantasmas do passado, e todo o seu ser fica perturbado e não resiste à tentação
de eliminar o ser resultante de um momento por demais desagradável. Esta mulher
seria punida pelo rigor da lei e a sociedade a descriminaria por um ato tão
cruel. O mesmo se passa com aquela mulher que concebe um filho com algum tipo
de deficiência, a lei aprovaria um aborto, mas no entanto se eu tivesse um
filho inválido que necessitasse de todos os cuidados e atenção e lhe quisesse
pôr termo à vida por achar que era um encargo demasiado pesado para a família e
a sociedade, a lei me condenaria como homicida. Pergunto onde estava a
coerência e justiça da lei? Quem somos nós, criados à imagem de Deus, para
decidirmos quem deve ou não fazer parte desta terra de viventes? Que diferença
existe entre o ser que está no ventre materno e o outro que já anda por cá? Não
serão ambos seres humanos apenas em fases de desenvolvimento diferentes?
Compreendo que muitas vezes as
exigências da sociedade e as dificuldades da vida, nos levam a pensar e a tomar
atitudes que apenas favorecem o nosso ego e comodismo. Não quero parecer
intolerante com as jovens que são vítimas de violação e ficam grávidas, devido
à sua pouca experiência de vida, as suas mentes se perturbam e caem no
desespero, pois muitos dos seus sonhos se tornam irrealizáveis, são os estudos
que ficam em causa, quem sabe uma carreira profissional brilhante ou até mesmo
um casamento bem sucedido. Mas o que é tudo isto perante uma vida humana que é
a imagem e semelhança do seu Criador.
Agora o que dizer daquela mulher
portadora de uma gravidez de risco, é compreensível que fique apavorada e caia
na tentação de abortar aquela vida que teima em pôr termo à vida dela. Neste
particular quero homenagear aquelas mulheres que foram capazes de serem
altruístas, verdadeiras heroínas, que no exercício da sua fé, desafiaram a
própria vida, confiaram no seu Deus e provaram que por vezes a ciência também
se engana, levaram a sua gravidez até ao fim e em alguns casos escaparam tanto
mãe como filho, noutros enquanto o mundo recebia mais um filho, o céu recebia
mais uma alma para fazer parte do coro celestial. Quero salientar que nestes
casos é bom que não entremos em julgamentos precipitados, é melhor que antes
experimentemos por um pouco calçar o sapato do outro, para podermos compreender
o seu desespero e dificuldade em se adaptar ao desconforto e incómodo de uma
situação não programada.
Infelizmente os atos de heroísmo
caíram em desuso, fazem parte do passado, ainda me lembro de histórias que se
contavam da guerra do ultramar, em que alguns militares, para que todo um grupo
não fosse destruído, eles próprios se lançavam sobre minas e assim só eles
morriam, mas todo o grupo ficava a salvo. Ainda hoje esses heróis são
relembrados em algumas comemorações de estado. Creio que as mulheres que são
capazes de trocar a sua própria vida, pela vida que está no seu ventre, são
dignas de honra e admiração e são autênticos exemplos de fé e coragem, quando o
egoísmo e o comodismo estão derrubando por completo os valores morais e
espirituais, onde cada um só pensa em si próprio.
Neste mundo que se diz
civilizado, na maioria dos casos prevalece a lei da selva, apenas os mais
perfeitos, os mais fortes e os mais adaptados conseguem sobreviver, tudo o
resto é para exterminar. Os animais para os quais Deus não estabeleceu qualquer
tipo de código moral comportam-se com muito maior dignidade.
Com efeito é plenamente
compreensível que todo o casal goste de ter todos os seus filhos fisicamente
perfeitos, mas é de se realçar que muitos deficientes têm brilhado no mundo
artístico, dão-nos autênticas lições de vida, e o mundo não seria o mesmo sem o
seu contributo.
Quanto à antiga legislação, quero
ainda salientar, quanta injustiça era praticada contra as mulheres que
praticavam aborto clandestino, sem ser nos termos previstos na lei, (admito que
até muitas o praticaram unicamente por sua conta e risco e nesses casos se
fazia justiça), muitas delas foram obrigadas a abortar por pressões familiares,
outras porque os maridos as instigavam e ainda outras porque os namorados não
quiseram assumir a paternidade, todos eles foram cúmplices, mas só elas eram os
réus, a este grupo ainda se pode juntar parteiras, médicos e curandeiros que
davam todo o apoio técnico a todo este massacre, todos eles também eram
cúmplices, mas somente elas iam para trás das grades.
Noutras situações, tanto os réus
como os cúmplices eram punidos. Por que razão neste caso de horrendo
infanticídio só a mulher mãe tinha de enfrentar toda a vergonha sozinha?
Lamentavelmente a justiça humana é tão falsa como Judas, beija-nos o rosto e
apunhala-nos as costas.
Hoje em vez de fazer-se justiça,
legalizou-se um crime, já não se seleciona mais o alvo a abater, a vida humana
na sua fase inicial não tem qualquer tipo de valor, desde que esteja no ventre
materno é como intruso em propriedade alheia.
Chegou-se ao desplante em que a
ciência está tentando avaliar a partir de que estágio de desenvolvimento o ser
que está num ventre materno pode ser considerado um ser humano como se fosse
possível em algum momento ser-se outra coisa.
Não quero chegar ao cúmulo de
afirmar que um espermatozoide é gente, não tenho qualquer base bíblica nem
científica que sustente tal ideia, mas a partir da conceção não adianta
andarmos a especular sobre o assunto, Deus já lhe deu o estatuto de ser humano,
está escrito no livro dos salmos: “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste
no seio da minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente
maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe
muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado
e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a
substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias,
cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”.
A prática do aborto é o crime
cometido com o mais elevado grau de covardia, atentamos contra a vida de seres
humanos que não têm qualquer forma de se defenderem, e no único sítio onde
deveriam sentir-se protegidos e seguros, que é o ventre materno, tornou-se para
eles altar de holocausto.
A questão do aborto tornou-se
assunto polémico e para tanto chegou-se a realizar debates televisivos onde
tanto teólogos como os elementos pró-vida saíam quase vergonhosamente
derrotados por não possuírem argumentos nem convicções convincentes. Para
assunto de tão elevada importância não basta filosofia humanista aparentemente
piedosa nem a teologia de indivíduos cujo Deus em que dizem acreditar, na
realidade parece não fazer parte do cardápio de suas vidas.
Não estou preocupado com as
práticas imorais cometidas por pessoas ou comunidades não cristãs, que não
reconhecem o cristianismo como a única religião verdadeira, nem o Deus Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo como único criador e sustentador de todas as coisas
tanto visíveis como invisíveis. Quanto a esses, Deus no dia do juízo encarregar-se-á
de os julgar. Mas nós os que confessamos o bom nome de Cristo, espera-se no
mínimo que sejamos coerentes com a fé que possuímos. É da nossa
responsabilidade proteger e defender a vida, quer seja a nossa própria, assim
como a do nosso próximo mesmo que ainda esteja dentro de um ventre materno.
Também não estou preocupado com
as vítimas do aborto, mesmo sabendo que inconscientemente elas sentem as
horrorosas atrocidades que lhes são infligidas no ventre materno. Quanto a elas
já estão ao cuidado do bondoso Deus.
Agora preocupo-me com o povo
português que na sua esmagadora maioria confessa-se cristão e em referendo
legalizou um crime. Está-se aproximando o Natal, daqui a pouco estamo-nos
preparando para festejar o nascimento do menino de Belém, creio que é tempo de
ponderarmos e reconsiderarmos a
irresponsabilidade dos nossos atos e pensarmos na possibilidade de se revogar a
lei mais impiedosa que já alguma vez se aprovou. De ateus e pagãos pode-se
esperar tudo, mas de cristãos, Deus espera muito mais, as boas obras que
acompanham a salvação.
Deus na sua misericórdia dá-nos
um tempo, somos por natureza filhos da ira, nascidos em pecado, destituídos da
sua glória. “Mas agora, em Cristo Jesus, nós, que antes estávamos longe, já
pelo sangue de Cristo chegamos perto. Porque ele é a nossa paz … na sua carne
desfez a inimizade,… para criar, em si mesmo, um novo homem, aniquilando nossa
velha natureza, e, pela cruz nos reconciliou com Deus”. Ef 2:13-16.
O Deus de que nos relata as
escrituras não é um tirano como muitos o pintam, nem um ditador, mas também não
é uma marioneta para que possa ser manipulado ao capricho de cada um. Ele não
necessita de que nós criamos nele para subsistir, é auto existente mesmo antes
da criação de todas as coisas. Quanto a nós, se não for a sua misericórdia
somos menos que nada.
Sei que estou a ser talvez demasiado
longo na minha abordagem, mas com este assunto não consigo economizar palavras.
Alerta-nos ainda o Senhor: “Quem
é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é
justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda. Eis que cedo
venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua
obra…Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os que se prostituem, e os
homicidas, e os idolatras, e qualquer que ame e comete a mentira. Eu, Jesus,
enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas”. Apoc
22:11-16.