quinta-feira, 19 de junho de 2014

O pai do carpinteiro de Nazaré

A 19 de Março de cada ano comemora-se o dia do pai, sendo no entanto já falecido o meu há vinte anos, gostaria de poder tributar-lhe homenagem, escrevendo algo sobre um homem cujas palavras não foram dignas de ser registadas.
Este personagem tem-me intrigado por causa do seu silêncio, porque o mesmo parece estar recheado de sentido, propósito e até quem sabe de ensino para todos nós.
É impossível que ao longo de trinta anos José nunca tenha partilhado qualquer tipo de diálogo construtivo com o seu filho adoptivo. Durante todo esse tempo os dois partilharam a mesma casa, a mesma  mesa, a  mesma carpintaria, onde um era aprendiz, o outro o instrutor; e  em qualquer destes ambientes haver comunicação verbal é simplesmente natural, assim como numa relação tão chegada haver momentos marcantes entre pai e filho dos quais se pudessem recordar e alegrar.
Embora aos olhos dos evangelistas, tenham sido de pouca relevância as palavras de José, todavia suas atitudes não passaram despercebidas. Uma das características registadas por Mateus, é de que este homem era justo, com toda a certeza também temia a Deus, era conhecedor das profecias concernentes ao Messias e aguardava com todo o fervor a manifestação daquele que era a esperança de Israel, no entanto, longe estava de pensar que tudo isso iria acontecer no seu tempo e com a sua participação activa em todos os acontecimentos.
O pai do carpinteiro de Nazaré conhecia tão bem a lei do seu Deus, assim como os pensamentos e sentimentos do seu legislador. Bem-aventurada a família que ouviu dele as palavras que nunca foram escritas e o mundo que contemplou a nobreza dos seus feitos.
Era carpinteiro, mas procedia como se fosse um príncipe, os mais nobres palácios do seu tempo não eram dignos de que ele os pisasse com a planta dos seus pés. Em termos de serviço prestado a Deus, envergonha todos quantos enveredaram pela futilidade e inutilidade do celibato e vida monástica a pretexto de maior consagração a Deus. Nunca frequentou nenhuma faculdade, nem seminário teológico ou escola de rabinos, no entanto a todos nós dá uma grande lição, colocando ao serviço do seu Senhor, tudo quanto era e possuía. Perante tal grandeza de espírito, o mundo emudeceu e não houve palavras para o descrever. De alguém assim, é para mim privilégio, poder esquadrinhar nas entrelinhas, os pormenores, os gestos e atitudes que fizeram toda a diferença na vida daquele que se tornou o salvador do mundo.
José estava desposado com Maria, e esta achou-se grávida sem que ambos alguma vez se tivessem ajuntado, e não sabendo o que se passava, como bom judeu que era, tinha a lei a seu favor e poderia com toda a legitimidade expor a sua noiva ao apedrejamento por adultério, em vez disso e não a querendo infamar, intentou deixá-la secretamente. Um bom exemplo para nós, quando sem escrúpulos fazemos legítimo uso das leis apenas para satisfazer os ímpetos do nosso ego, sem nos importarmos com a humilhação do nosso próximo. Deus ao contemplar lá do alto a delicadeza da alma deste servo seu, enviou-lhe um anjo que em sonho lhe disse: ”José, não temas receber Maria tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo.” Mt 18:20. A partir daqui a vida deste judeu nunca mais foi a mesma e durante algum tempo da infância de Jesus, foi orientado por Deus através de sonhos.
Admiro a fé deste homem, enquanto Maria teve o privilégio de poder ver, ouvir e falar com o anjo, José somente recebia ordens enquanto estava a dormir e prontamente as obedecia com toda a precisão, tornando-se desta forma o salvador do seu próprio Senhor. Por estranho que pareça, por um pouco de tempo a vida do nosso redentor esteve dependente de um homem a quem ele também chamou de pai (Lc 2:28), caso contrário teria sido vítima do ódio de Herodes, na matança dos infantes de dois anos para baixo.
Ao meditar sobre os procedimentos deste filho de Israel, fico convencido de que um homem assim está à altura de preencher todas as expectativas de Deus. Não há qualquer registo de que o criador se tenha desiludido com o comportamento deste seu servo. Como cidadão cumpriu com os seus deveres cívicos deslocando-se da Galileia até Belém com a sua esposa já grávida, a fim de tomar parte num alistamento decretado pelo imperador romano. Como bom judeu não descuidou as suas obrigações religiosas para com o seu filho Jesus, circuncidando-o ao oitavo dia, e cumprindo-se os dias da purificação, José e Maria levaram o menino a Jerusalém para ser apresentado ao Senhor, levando a cabo dessa forma o que está escrito na lei: “Todo o macho primogénito será consagrado ao Senhor.” Lc 2:21-23.
Lamento  que, em muitos casos, alguns cristãos descuidem os seus deveres cívicos, assim como as suas responsabilidades de pais crentes, achando que é nobre e moderno retardar o baptismo dos seus filhos, para que quando forem adultos, sejam eles a decidirem aquilo que querem ser.
Como bom marido, honrou a sua esposa dando-lhe fartura de filhos. Na cultura judaica era honroso para a mulher ter filhos e era sinal da bênção de Deus. Naquela época a esterilidade feminina era muito comum. Também está escrito no livro dos salmos 127 que diz: “Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava.” Convém salientar que Jesus ao ser privilegiado com tão vasto número de irmãos e irmãs (Mt 13:55, 56) isso dotou-o de um excelente equilíbrio emocional assim como psicológico. Estou certo de que ele deveria ser uma das pessoas mais felizes do mundo pela grande família que possuía.
Para além de protector e trabalhador, José também preocupava-se com a instrução espiritual da família, está escrito: “E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens.” Lc 2:59. Nada disto seria possível se não houvesse um pai à altura.
Caro leitor, não desejo que me interprete mal, mas depois de tudo o que já foi escrito, permita-me este desabafo: nenhum ser humano deveria abster-se do matrimónio, a menos que para isso Deus o tenha especialmente dotado, pois é a mais alta instituição divina sobre a face da Terra, nenhum casal deveria privar-se de ter filhos e muito menos privá-los de terem irmãos.
Por mais que as dificuldades nos oprimem e o mundo se corrompa, é nosso dever como cristãos povoá-lo com os nossos filhos instruídos na palavra do Senhor, para que de todo ele não se torne um inferno. Podemos também argumentar, que os nossos filhos não precisam de irmãos, porque no colégio, no jardim-de-infância ou nas escolas podem ter muitos amigos, sim é verdade, mas nunca serão irmãos, ao passo que irmão sempre poderá ser mais que amigo. Irmão muitas vezes pode xingar, incompreender, e até criticar, mas na hora difícil dá-nos a mão, o amigo muitas vezes é só para a ocasião.
Cresci num lar de sete elementos e fui feliz.

Eu e a minha esposa não conseguimos encher a nossa aljava de filhos, mas os que temos são a maior dádiva do Criador.


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