A 19 de Março de cada ano
comemora-se o dia do pai, sendo no entanto já falecido o meu há vinte anos,
gostaria de poder tributar-lhe homenagem, escrevendo algo sobre um homem cujas
palavras não foram dignas de ser registadas.
Este personagem tem-me intrigado
por causa do seu silêncio, porque o mesmo parece estar recheado de sentido,
propósito e até quem sabe de ensino para todos nós.
É impossível que ao longo de
trinta anos José nunca tenha partilhado qualquer tipo de diálogo construtivo
com o seu filho adoptivo. Durante todo esse tempo os dois partilharam a mesma
casa, a mesma mesa, a mesma carpintaria, onde um era aprendiz, o
outro o instrutor; e em qualquer destes
ambientes haver comunicação verbal é simplesmente natural, assim como numa
relação tão chegada haver momentos marcantes entre pai e filho dos quais se
pudessem recordar e alegrar.
Embora aos olhos dos
evangelistas, tenham sido de pouca relevância as palavras de José, todavia suas
atitudes não passaram despercebidas. Uma das características registadas por
Mateus, é de que este homem era justo, com toda a certeza também temia a Deus,
era conhecedor das profecias concernentes ao Messias e aguardava com todo o
fervor a manifestação daquele que era a esperança de Israel, no entanto, longe
estava de pensar que tudo isso iria acontecer no seu tempo e com a sua
participação activa em todos os acontecimentos.
O pai do carpinteiro de Nazaré
conhecia tão bem a lei do seu Deus, assim como os pensamentos e sentimentos do
seu legislador. Bem-aventurada a família que ouviu dele as palavras que nunca
foram escritas e o mundo que contemplou a nobreza dos seus feitos.
Era carpinteiro, mas procedia
como se fosse um príncipe, os mais nobres palácios do seu tempo não eram dignos
de que ele os pisasse com a planta dos seus pés. Em termos de serviço prestado
a Deus, envergonha todos quantos enveredaram pela futilidade e inutilidade do
celibato e vida monástica a pretexto de maior consagração a Deus. Nunca
frequentou nenhuma faculdade, nem seminário teológico ou escola de rabinos, no
entanto a todos nós dá uma grande lição, colocando ao serviço do seu Senhor,
tudo quanto era e possuía. Perante tal grandeza de espírito, o mundo emudeceu e
não houve palavras para o descrever. De alguém assim, é para mim privilégio,
poder esquadrinhar nas entrelinhas, os pormenores, os gestos e atitudes que
fizeram toda a diferença na vida daquele que se tornou o salvador do mundo.
José estava desposado com Maria,
e esta achou-se grávida sem que ambos alguma vez se tivessem ajuntado, e não sabendo
o que se passava, como bom judeu que era, tinha a lei a seu favor e poderia com
toda a legitimidade expor a sua noiva ao apedrejamento por adultério, em vez
disso e não a querendo infamar, intentou deixá-la secretamente. Um bom exemplo
para nós, quando sem escrúpulos fazemos legítimo uso das leis apenas para
satisfazer os ímpetos do nosso ego, sem nos importarmos com a humilhação do
nosso próximo. Deus ao contemplar lá do alto a delicadeza da alma deste servo
seu, enviou-lhe um anjo que em sonho lhe disse: ”José, não temas receber Maria
tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo.” Mt 18:20. A
partir daqui a vida deste judeu nunca mais foi a mesma e durante algum tempo da
infância de Jesus, foi orientado por Deus através de sonhos.
Admiro a fé deste homem, enquanto
Maria teve o privilégio de poder ver, ouvir e falar com o anjo, José somente
recebia ordens enquanto estava a dormir e prontamente as obedecia com toda a
precisão, tornando-se desta forma o salvador do seu próprio Senhor. Por
estranho que pareça, por um pouco de tempo a vida do nosso redentor esteve
dependente de um homem a quem ele também chamou de pai (Lc 2:28), caso
contrário teria sido vítima do ódio de Herodes, na matança dos infantes de dois
anos para baixo.
Ao meditar sobre os procedimentos
deste filho de Israel, fico convencido de que um homem assim está à altura de
preencher todas as expectativas de Deus. Não há qualquer registo de que o
criador se tenha desiludido com o comportamento deste seu servo. Como cidadão
cumpriu com os seus deveres cívicos deslocando-se da Galileia até Belém com a
sua esposa já grávida, a fim de tomar parte num alistamento decretado pelo
imperador romano. Como bom judeu não descuidou as suas obrigações religiosas
para com o seu filho Jesus, circuncidando-o ao oitavo dia, e cumprindo-se os
dias da purificação, José e Maria levaram o menino a Jerusalém para ser
apresentado ao Senhor, levando a cabo dessa forma o que está escrito na lei:
“Todo o macho primogénito será consagrado ao Senhor.” Lc 2:21-23.
Lamento que, em muitos casos, alguns cristãos
descuidem os seus deveres cívicos, assim como as suas responsabilidades de pais
crentes, achando que é nobre e moderno retardar o baptismo dos seus filhos,
para que quando forem adultos, sejam eles a decidirem aquilo que querem ser.
Como bom marido, honrou a sua
esposa dando-lhe fartura de filhos. Na cultura judaica era honroso para a
mulher ter filhos e era sinal da bênção de Deus. Naquela época a esterilidade
feminina era muito comum. Também está escrito no livro dos salmos 127 que diz:
“Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava.” Convém salientar que
Jesus ao ser privilegiado com tão vasto número de irmãos e irmãs (Mt 13:55, 56)
isso dotou-o de um excelente equilíbrio emocional assim como psicológico. Estou
certo de que ele deveria ser uma das pessoas mais felizes do mundo pela grande
família que possuía.
Para além de protector e
trabalhador, José também preocupava-se com a instrução espiritual da família,
está escrito: “E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com
Deus e os homens.” Lc 2:59. Nada disto seria possível se não houvesse um pai à
altura.
Caro leitor, não desejo que me
interprete mal, mas depois de tudo o que já foi escrito, permita-me este desabafo:
nenhum ser humano deveria abster-se do matrimónio, a menos que para isso Deus o
tenha especialmente dotado, pois é a mais alta instituição divina sobre a face
da Terra, nenhum casal deveria privar-se de ter filhos e muito menos privá-los
de terem irmãos.
Por mais que as dificuldades nos
oprimem e o mundo se corrompa, é nosso dever como cristãos povoá-lo com os
nossos filhos instruídos na palavra do Senhor, para que de todo ele não se
torne um inferno. Podemos também argumentar, que os nossos filhos não precisam
de irmãos, porque no colégio, no jardim-de-infância ou nas escolas podem ter
muitos amigos, sim é verdade, mas nunca serão irmãos, ao passo que irmão sempre
poderá ser mais que amigo. Irmão muitas vezes pode xingar, incompreender, e até
criticar, mas na hora difícil dá-nos a mão, o amigo muitas vezes é só para a
ocasião.
Cresci num lar de sete elementos
e fui feliz.
Eu e a minha esposa não
conseguimos encher a nossa aljava de filhos, mas os que temos são a maior
dádiva do Criador.