quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Guerreiro de alta competição - Autobiografia

Sou camponês, filho de camponeses, meu avô paterno vendia peixe de porta em porta, carregando-o aos ombros com pau de carreto e cestos de vime. Meu avô materno era camponês e também conhecedor da arte de carpinteiro e marceneiro. Meu pai era analfabeto, no entanto sabia assinar o seu nome fazia contas de cálculo mental como poucos. Minha mãe completou a 4ª classe, assim como todos os seus filhos, foi este o mais alto grau de escolaridade que nos conseguiram dar. Além disto como açorianos que somos, temos alguma tradição religiosa, tanto quanto sei, todos os nossos antepassados, eram católicos romanos.
Nunca fui muito assíduo às missas, mas também meus pais não me davam o melhor exemplo. De meu pai não tenho memória de que alguma vez acompanhasse a família à igreja, à excepção de alguns funerais ou casamentos. De minha mãe lembro-me de que algumas vezes nos acompanhava, mas na maioria dos casos eu ia à missa sozinho. De meus pais e padrinhos, tenho o testemunho de que fui submetido ao Santo Baptismo na minha infância. Também fiz catequese e primeira comunhão. Ao passar pela fase da rebeldia, simplesmente recusei-me a fazer o crisma.
Minha querida mãe, apesar de ter que lidar com algumas adversidades em relação ao seu matrimónio, nunca descuidou a educação moral e religiosa dos seus cinco filhos, dos quais eu sou o primogénito, seguido de quatro irmãs. Em nossa casa havia um novo testamento e também um volume só com os quatro evangelhos. Lembro-me perfeitamente de um dia nossa mãe escrever os dez mandamentos, cada um deles na sua cor, usando nossas canetas de feltro escolares. Da mesma forma procedeu com as obras de misericórdia, emoldurando cada uma das peças, colocando-as numa parede bem visível da nossa cozinha. Recordo com alegria aqueles momentos em que antes do deitar, líamos em conjunto estas autênticas obras de arte materna.
Regularmente também ouvíamos programas religiosos na rádio tais como: “Voz Baptista açoriana”, “Voz da esperança”, da Igreja Adventista e “Novas de alegria”, um programa da Igreja Pentecostal, “Assembleia de Deus”.
Como consequência de tal busca espiritual, nosso conhecimento das escrituras foi crescendo, assim como uma sede cada vez maior, de pureza e verdade em relação às coisas de Deus. Certo dia, nossa mãe tomou a iniciativa de escrever para o programa “Novas de alegria”, para que nos enviassem alguma literatura, por fim acabámos por receber a visita do pastor da Igreja assembleia de Deus, o qual nos convidou a assistirmos a um dos cultos em Angra do Heroísmo, na Rua do Cardoso. A partir daqui tornámo-nos todos membros activos dessa mesma Igreja, à excepção do nosso pai.
O nosso percurso dentro desta comunidade, durou cerca de oito anos, onde acabei por exercer cargo de liderança junto com o pastor. Ao fim de quase seis anos, começou a haver algum desconforto entre nós os dois, não por questões doutrinárias, pois o meu entendimento das escrituras ainda não chegava a tanto, nem tão pouco por questões de liderança, mas por má conduta do líder, que aos poucos ia-me decepcionando.
Durante esse período de descontentamento, recebi um convite por escrito de uma organização chamada “Associação de Igrejas de Cristo”, para assistir a uma conferência para o crescimento da Igreja, a realizar-se no Centro Bíblico de Esmoriz, com oradores vindos dos Estados Unidos da América. Nessa altura já havia abandonado a casa do meu pai, infelizmente por má influência daquele que se dizia ser meu pastor. Um dia este senhor teve a ousadia de dizer de forma arrogante, perante toda a congregação que se quisesse enganaria todos os membros com a Bíblia na mão. Quando tal proferiu eu até achei graça, acreditava nele cegamente sem questionar, nunca pensei que fosse capaz de o fazer. Mas a partir do momento em que comecei a perceber que a minha confiança estava a ser traída, prometi a mim mesmo, que um dia havia de conhecer tão bem as escrituras sagradas e manejá-las de tal forma, que jamais alguém ousaria enganar-me.
Como consequência dos meus próprios actos, aquele que antes vivia confortável na casa do seu pai, trabalhando honestamente como camponês, agora não tinha emprego e também não tinha dinheiro. No entanto aquele convite parecia-me a porta de escape, para ver-me livre de toda aquela desilusão. Desabafei com minha mãe, para minha surpresa ela também concordava que a solução era eu ter que sair da Ilha por algum tempo. Prontamente ela e minhas irmãs providenciaram o necessário para a minha viagem.
A passagem de avião foi comprada no valor de ida e volta, mas sem data marcada para o meu regresso. Apesar de saber que tinha tudo garantido por uma semana a cargo da A. I. C., esse tempo era demasiado curto para quem precisava desesperadamente cortar radicalmente com certos laços nocivos. Quis acreditar fortemente que durante este curto espaço de tempo, algo mais haveria de acontecer, porque simplesmente tinha que acontecer.
Minha partida para Lisboa deu-se a 21 de Fevereiro de 1988, no dia seguinte tomei de novo avião rumo ao Porto. Ao tomar um táxi dirigi-me para o C. B. E, onde receberam-me de braços abertos e fui simpaticamente instalado. Nesse mesmo dia a conferência foi iniciada depois do almoço. Aí conheci um senhor do qual me tornei amigo quase inseparável. Durante todo o tempo em que decorreu a conferência em Esmoriz, também todos os dias à noite realizava-se no Auditório de Espinho um evento especial com os mesmos oradores. Foi aí que, a 22 de Fevereiro do mesmo ano, fui apresentado pelo meu amigo a uma bonita e simpática jovem, que estava toda atarefada cuidando dos arranjos florais no Auditório, da seguinte forma: “Eduarda, este jovem é dos Açores, peço-te que tomes conta dele, para que não se sinta deslocado.” E assim foi, até ao dia de hoje.
Também no Auditório de Espinho, fui apresentado pela jovem Eduarda, a uma amiga sua, um pouco mais velha do que minha mãe, a qual perguntou-me por quanto tempo eu pretendia ficar no Continente. Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir, era a minha deixa, a minha única oportunidade, para que fosse possível ficar longe da família por mais algum tempo. Prontamente respondi-lhe que se houvesse alguém que me quisesse adoptar por algum tempo, eu ficaria. No dia seguinte esta senhora, depois de haver falado com o marido, deu-me resposta positiva, e durante cinco meses fui muito bem acolhido como filho, num novo lar, longe daqueles que mais amava e da minha querida Ilha, torrão no meio do Atlântico, com cheiro a terra e de mar, que faz vibrar todo o meu ser.
Em todo esse tempo em que residi no meu novo lar, na freguesia de Paramos, frequentei um curso bíblico em Vila Nova de Gaia. A par disto, dominicalmente, eu e minha noiva colaborávamos junto com outros líderes dando apoio em serviços religiosos em Vila Nova de Cerveira, Paredes de Coura, Régua e Lamego. Concluído o instituto bíblico em Gaia, era já chegada a hora de regressar novamente à Ilha. A 5 de Agosto de 1988 eu e Eduarda casámo-nos pelo Registo Civil de Espinho, e no dia 7 do mesmo mês, já casado com minha jovem esposa Berta, viajámos rumo à Terceira, onde realizámos a cerimónia religiosa a 25 de Setembro do mesmo ano, na Igreja Evangélica assembleia de Deus.
Após quase seis meses de ausência, nada parecia haver mudado. Apenas eu deixara de ser um jovem solteiro, e passara a ser um homem casado. Ainda ligados a esta denominação, nasceram os nosso dois filhos. Por fim, dadas as circunstâncias, tornou-se impossível continuar a fazer parte desta comunidade, a iniquidade estava a tornar-se tal, que não levaria muito tempo e eu seria confundido com  situações que em nada me diziam respeito.
Como já tínhamos desenvolvido alguma amizade com alguns membros da Igreja Evangélica Baptista, muito em especial com o seu pastor, Lúcio Casassanta, o qual representou o papel de pai de minha esposa no dia do nosso casamento, o mesmo senhor algumas vezes nos convidava para que participássemos na sua Igreja com alguns cânticos, pois achava-nos especialmente dotados no campo da música. Guardamos com grata satisfação esses breves momentos. Por esta causa, eu, minha esposa e filhos começámos a frequentar com regularidade esta Igreja, agora já sob a liderança de outro pastor. Pouco tempo depois, minha mãe e irmãs seguiram-nos o exemplo. Nossa assiduidade tornou-se notória, e foi-nos feito o convite para que nos tornássemos membros oficiais, de bom grado aceitámos e assim permanecemos por uns bons quatro anos. Também aqui exerci cargos de liderança, fui professor de escola bíblica dominical para adultos, promovi alguns concursos bíblicos, minha esposa chegou a ser líder daquilo a que chamavam de união feminina, órgão esse que se ocupava de alguns eventos especiais. Durante o nosso percurso nesta nova comunidade, aconteceu algo que para mim foi muito importante: a família voltava novamente a estar toda junta, pois quando abandonei meu pai, pouco tempo depois, minha mãe e irmãs seguiram-me o mau exemplo, e tudo isto em nome de Jesus.
É verdade que às vezes meu pai tornava-se implicativo por causa da religião, mas também lá tinha os seus motivos, o pastor da Igreja assembleia de Deus era muito convencido, gabava-se de que todas as mulheres da sua Igreja apaixonavam-se por ele. Também gabava-se de já haver separado muitas famílias, e ainda haveria de separar muitas mais, “tudo isto em nome de Jesus e por amor a Ele”.
Parece inacreditável, se tudo isto não fizesse parte da minha história, eu diria que alguém estaria a inventar. Mas estou grato a Deus, porque novamente nos reuniu, usando para isso minha jovem esposa e o pastor da nossa nova Igreja. Lamento que por esta causa, minha querida mãe tivesse que sofrer mais algumas situações desagradáveis, pois meu pai era muito ciumento e um pouco ganancioso. Este era o pai que eu tinha, simplesmente eu não o conseguia odiar.
Por fim a 25 de Novembro de 1993, meu pai faleceu com apenas 61 anos de idade, vítima de uma embolia. Muitas vezes quando entro em depressão, quase sempre sinto-me culpado pela sua morte prematura. Fico a pensar que talvez o choque da separação da família, possa ter acelerado todo o processo que o vitimou. Por tudo isto, já pedi perdão ao meu bom Deus, e espero que no último dia, o dia da sua grande glória, Ele não me expulse de sua presença.
Como consequência desta situação fúnebre, começámos a ter um relacionamento mais próximo com um primo meu, para nossa surpresa ficámos a saber que ele era luterano, e o único naquela altura cá na Ilha. Como é óbvio, começámos a dialogar sobre temas religiosos, até que chegámos ao ponto de falarmos sobre assuntos doutrinários, inclusive o baptismo de crianças. Ao ingressar no mundo evangélico, fiquei convicto de que o baptismo de adultos era o único correcto, e que o baptismo infantil, era pura invenção da Igreja Romana. Ao conversar profundamente sobre esta temática com o meu primo, tive que repensar todas as minhas convicções. Tínhamos dois filhos pequenos, o mais velho com 4 anos e o outro com 3 anos de idade. Se ele tinha razão naquilo que afirmava crer, eu estava profundamente em falta para com os nossos filhos. A partir deste momento e durante um ano, não fiz outra coisa que não fosse debruçar-me sobre a questão do baptismo de crianças. Consultei as escrituras e a própria história da Igreja, para encontrar o elo de ligação. Tirada a conclusão propus a toda Igreja o desafio de debatermos todo este assunto de forma séria, para que a situação dos nossos filhos fosse regularizada. Exigi também a presença de líderes responsáveis vindos do Continente, pois queria a todo o custo que alguém me justificasse com que autoridade negavam o baptismo às crianças, e com que autoridade também afirmavam que o baptismo nada tem a ver com a salvação. Posto isto, a esposa do pastor perguntou-nos se os nossos filhos fossem baptizados, se tudo ficaria resolvido. Eu respondi-lhe que não, pois a minha luta já deixara de ser familiar, também tinha em vista todas as crianças a quem lhes era negado este sacramento.
Finalmente em finais de Novembro de 1994, foi convocada uma reunião extraordinária com a presença de um pastor vindo da Ilha do Faial. Foi-me dito ser impossível a vinda de líderes continentais. Aceitei da mesma forma o desafio, já sentia-me cansado de tanta luta, a situação dos nossos filhos, simplesmente tinha que ser resolvida. Ao saber da data do evento, limitei-me a reunir tudo aquilo que tinha aprendido durante um ano de busca exaustiva por pureza e verdade nesta matéria. Chegado o dito dia, havia suspense em todo o meu ser, e muito nervosismo à mistura, tudo em mim estava expectante quanto ao desenrolar dos acontecimentos.
A princípio o pastor queria começar por debater os temas, criando assim um ambiente de discussão. Eu me opus, argumentando que queria unicamente ser ouvido, quanto às minhas questões e que então no final a Igreja avaliasse e desse o seu veredicto. Depois de alguma hesitação, lá me foi permitido que expusesse as minhas ideias. Tomei a palavra, e comecei a expor tudo quanto havia na minha alma, mas não demorou muito e começaram a interromper-me, não só os líderes, mas também os filhos do pastor. Simplesmente não me queriam ouvir, com tal atitude recusavam-me a oportunidade de concluir os meus raciocínios, queriam a todo o custo defender de forma cega os seus princípios doutrinários infundamentados, no que diz respeito às escrituras sagradas. Depois de algum tempo o ambiente tornou-se tal que era-me impossível continuar. À minha frente só conseguia ver pessoas meneando a cabeça, outras sussurravam e ainda outras quase queriam fazer gozo com a situação. Por fim, a muito custo, restou-me apenas oportunidade para dizer a todos os presentes, que a partir daquele momento, eu, minha esposa e filhos, deixaríamos de fazer parte daquela Igreja. Desta feita, tanto minha mãe, como irmãs, não nos seguiram o exemplo.
Sei que parece ousado alguém que se encontra em clara minoria, fazer frente a falsas doutrinas que já têm séculos de existência, mas o facto é que Deus nunca está do lado do maior ou menor número, unicamente nós é que podemos estar do lado Dele ou contra Ele. Eu preferi escolher a melhor parte. Só com Deus poderei ser mais do que vencedor. Só Ele é o único triunfador em causas perdidas. É o único que nos capacita, para derrotarmos gigantes com um simples seixo e uma funda. Este é o poder da sua santa palavra.
Dois ou três dias depois de havermos tomado esta decisão, alguém telefonou à minha esposa, aconselhando-a a ir à Igreja com os nossos filhos, deixando-me desta forma completamente sozinho e desarmado, com uma luta sem causa. Este era o último trunfo do inimigo: dividir para poder reinar. Louvo a Deus por ela, por nunca me ter abandonado, nem à família, sempre confiou na minha liderança espiritual e até me estimulava a que incessantemente buscasse verdade no que dizia respeito ao baptismo dos nossos filhos, para que tudo se resolvesse o mais breve possível.
Apesar de estar demasiado desgastado com esta situação, não podia de forma alguma baixar os braços, os nossos filhos precisavam urgentemente de serem baptizados. Para tornar isto possível adquiri o contacto telefónico do pastor luterano em Portugal, através do meu primo.
Neste entretanto, o pastor baptista tentou por formas indirectas e incorrectas que voltássemos atrás na nossa decisão. Frustrada a sua expectativa resolveu então escrever-nos uma carta pastoral, que nos veio ter a casa via correio, para dar-nos a notícia de que estávamos a ser dirigidos pelo diabo, carta essa, que ainda hoje a tenho guardada como documento e triste recordação. Se realmente fomos orientados pelo diabo, quanto à intenção de baptizarmos os nossos filhos, neste rol também devem ser incluídos todos os católicos, luteranos, ortodoxos, anglicanos, presbiterianos e metodistas, todos eles baptizam crianças, e segundo reza a história, esta bela tradição tem suas raízes na era apostólica, tendo como base todo o apoio implícito das escrituras.
Decididamente resolvi então telefonar para o pastor luterano, Adalberto Hiller, ao qual expliquei toda a nossa situação e intenção de baptizarmos nossos filhos, sem termos que forçosamente tornarmo-nos membros da Igreja Luterana. Ele aceitou o desafio, pois o que realmente era importante no momento, era regularizar a situação espiritual dos nossos filhos.
No primeiro fim-de-semana de Janeiro de 1995, aquele simpático senhor apresentou-se em nossa casa, junto com o meu primo que no-lo apresentou. Nesta altura morávamos com minha avó desde o nosso casamento. Tivemos oportunidade para conversarmos sobre alguns assuntos pendentes, inclusive reafirmei nossa intenção de não nos filiarmos à Igreja Luterana, dado o meu historial. Fora católico durante quase dezanove anos, pentecostal durante oito anos e baptista quatro anos, agora receava não conseguir atingir ao menos dois como luterano. Sentia-me demasiado cansado de religião, para voltar a meter-me noutra. Por fim, ele perguntou-me: “Depois de baptizados os vossos filhos, que tipo de alimento espiritual pretendes dar a eles?” Isso fez-me reflectir seriamente. Jamais poderia andar para trás, isso seria proceder como a porca lavada, que sempre volta à lama, e como o cão que novamente ingere o seu próprio vómito. Reflectido isto, decidimos então, no dia do baptismo dos nossos filhos tornarmo-nos membros oficiais da Igreja Evangélica Luterana Portuguesa. Até este momento já decorreram quase 21 anos.
Agora quero aqui dedicar um espaço muito especial a um mui nobre gesto por parte do reverendo Adalberto Hiller, antes de baptizar os nossos filhos e de nos aceitar como luteranos, pediu-me o contacto do pastor baptista, telefonou-lhe a marcar um encontro entre ambos, para justificar a razão pela qual estava a proceder para connosco de tal forma. Guardo com doce lembrança, tão nobre gesto, tornou-se para mim, uma lição de vida.
Agora finalmente regularizada toda a situação espiritual familiar, era oportuno reorganizar a Igreja, que há alguns anos havia-se desfeito, por má conduta de um antigo líder, que por cá havia passado.
Como o pastor não podia ter cá permanência, nem deslocar-se à Ilha com regular frequência, decidimos eleger o estimado primo como nosso líder espiritual, pois ele já dera provas de que era muito convicto e sabedor dos princípios básicos e fundamentais da doutrina cristã. Também a partir daqui, minha avó juntou-se a nós, não como membro oficial, mas sim como alguém sempre presente. Participava de todas as reuniões, contribuía voluntariamente nas colectas, e quando o pastor nos visitava, comungava junto connosco do corpo e sangue de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Depois de uns bons quase dezoito anos que vivemos junto com a minha avó Florinda, partilhando a mesma casa, em 2006 mudámo-nos para casa própria, sempre sob a liderança do mui estimado primo. Ele não só fazia estudos bíblicos connosco, como também ensinou o catecismo aos nossos filhos, preparando-os desta forma não só para a 1ª comunhão, como também para a confirmação de fé. Neste mesmo ano o meu primo conheceu na base aérea das Lajes, onde era funcionário, uma jovem luterana vinda dos Estados Unidos da América, como terapeuta da fala. Ela também juntou-se ao grupo e abrilhantava-nos as reuniões e cultos tocando o seu violino. O seu pai também é pastor luterano nos Estados Unidos da América. Esta jovem dotada de dinâmica muito própria, começou a interessar-se a sério pela expansão luterana cá na Ilha, e tanto ela como o seu pai, providenciaram tudo para que se  tornasse possível termos cá um pastor residente. Em Abril de 2007, tudo isso tornou-se realidade e a 10 de Junho do mesmo ano, inaugurámos a nossa própria capela, assim como realizou-se a cerimónia da instalação oficial do novo pastor. Até Maio de 2009, foi esta a nossa nova realidade. Para além de membro sempre presente, eu dava também meu contributo nos cultos e reuniões de estudo bíblico, acompanhando os cânticos com o meu violão. Foram para mim uns bons catorze anos de aprendizado, onde nunca ocupei nenhum cargo de liderança.
Com a desinstalação do pastor residente e a impossibilidade financeira de se chamar outro para o substituir, voltámos ao sistema anterior, desta vez sob a minha liderança, eleito de forma legítima pela congregação Bom Pastor. Sob a nova liderança o destino desta comunidade parecia estar condenado ao fracasso, aos poucos ela foi mingando, a jovem americana teve que regressar ao seu país, os nossos filhos foram estudar para Lisboa e o estimado primo também aos poucos foi-se desligando por razões de foro íntimo. Por último restava-me apenas minha esposa, uma outra senhora e a querida avó Florinda, que com os seus mais de noventa anos, fazia questão que a fôssemos buscar para reunir-se connosco. Agravando-se o seu estado de saúde, passámos nós a ir à sua casa, para assim nos reunirmos, realizando desta forma os nossos estudos bíblicos, onde por vezes tínhamos a presença de uma tia irmã de minha mãe, ou a presença dos meus padrinhos de baptismo quando cá estavam vindos dos Estados Unidos da América.
Esta rotina manteve-se até Fevereiro de 2011. Era sexta-feira, dia 4 do mês, quando recebemos a notícia, através do nosso filho Miguel, de que o irmão estava com P. I. G. – Perturbação de Identidade de Género (transexualidade). Aqui o inimigo aproveitou-se bem para nos dar a golpada fatal. Ficámos de rastos, parecia-nos faltar o mundo debaixo dos nossos pés. Deixámos de ter condições de poder continuar a dar assistência espiritual à querida avó. A situação parecia-nos tão sufocante e inédita, que nem a conseguíamos partilhar com ninguém, nem mesmo com familiares, isolámo-nos por completo.
Passado algum tempo, esta mui querida anciã, dá-nos um convite para assistirmos ao seu baptismo na Igreja Evangélica Baptista de Angra do Heroísmo. Parecia que o inimigo não se cansava de golpear-nos, já estávamos tão dormentes de tanta dor, que nem conseguíamos reagir a nada. Não lhe fizemos desfeita, sua idade já era demasiado avançada para que eu me desse ao luxo de a tentar chamar à razão, por isso comparecemos e abraçámo-la. A minha grande mágoa não vem dela, ela nunca foi membro oficial da Igreja Luterana, sempre respeitei a sua posição, no entanto era minha ovelha. A minha intensa dor estava intimamente ligada à escritura que diz: “Fere o Pastor, e espalhar-se-ão as ovelhas.” Zac 13:7. Eu simplesmente não tinha muitas ovelhas para espalhar, arrebataram-me unicamente a ovelhinha gorda que eu tinha. Não só nos fizemos presentes no seu batismo, como também no seu funeral em Setembro de 2014. Em ambas as cerimónias estivemos presentes e nunca houve ninguém que viesse até nós, nem mesmo o líder desta dita Igreja, para que no mínimo nos desse alguma explicação para tudo aquilo que estava a acontecer. Com um simples gesto nobre, muita dor tinha sido evitada, assim como alguma tinta derramada, numa autobiografia que poderia muito bem ser escusada.
Agora todo o meu ser clama por justiça, sinto-me traído por aqueles que dizem-se meus irmãos na fé, golpearam-me pelas costas, aproveitando-se de um momento de debilidade. Subestimaram minha liderança espiritual. Consideraram que durante todo o tempo em que minha avó esteve sob o meu cuidado, nunca esteve realmente salva e que somente através deles, teve acesso ao verdadeiro plano de salvação. Há 21 anos atrás, deixaram-nos partir, negando aos nossos filhos a entrada no reino dos céus, através das águas do baptismo, agora arrebatam uma ovelha minha de forma pouco ortodoxa. Chegou a hora de clamar ao mundo inteiro e dizer: “Basta!”.
Nas escrituras encontro este conforto: “mas volverei a minha mão para os pequenos.” Zac 13:7; e, “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” MT 5:6.
Nesta minha autobiografia, quero salvaguardar um único líder evangélico. Na altura em que se deu a cisão entre nós e a Igreja Baptista, houve um jovem estudante de teologia, que ao vir à Ilha de férias no Natal de 1994, tomando conhecimento de tudo o que se estava a passar, teve a delicadeza de vir a nossa casa falar connosco, demonstrando desta forma uma preocupação espiritual genuína e até paternal, embora seja um pouco mais novo do que eu.
Debatemos durante algum tempo os assuntos em questão, não chegando a algum entendimento possível, mas valeu a intenção e a sincera preocupação. Neste momento é o único líder evangélico, que perante mim tem moral e está autorizado a abordar-me sobre qualquer tema teológico ou doutrinário. Quando nos despedimos, proferiu estas palavras: “tu não brincas quando estás em serviço”.
Quando saímos da Igreja Pentecostal assembleia de Deus, o pastor procedeu como mercenário, de quem não são as ovelhas, simplesmente não nos procurou para inteirar-se de qual seria realmente a razão do nosso descontentamento, e o pastor baptista limitou-se a enviar-nos uma carta pastoral via correio, considerando-nos satânicos.
Alguns anos mais tarde, estando a Igreja Baptista já sob nova liderança pastoral, surgiu uma situação da qual não vou relatar os pormenores, mas o facto é que todos ficaram com a ideia de que nós queríamos regressar novamente à Igreja, mas o que eu realmente pretendia, era que pudéssemos agora, uma vez que os ânimos estavam mais calmos, voltar a pôr em cima da mesa os mesmo assuntos, que outrora ficaram pendentes. Afim de certificar-se qual era realmente a minha intenção, o novo pastor deslocou-se certo dia ao meu local de trabalho para falar comigo. Eu expus-lhe claramente qual o meu intuito, e ele tornou-me por resposta, de que iria falar com os diáconos da Igreja para ver o que se podia fazer. Ainda hoje estou curioso por saber qual foi o parecer da diaconia. Já se passaram mais alguns anos, esse senhor já está a pastorear uma outra Igreja no Continente. Fico deveras a pensar a quem servem realmente estes senhores.
Na actualidade, os evangélicos têm-se agigantado um pouco por todo o mundo, devendo-se esse facto à liberdade de expressão e às novas tecnologias. Não sei o suficiente da história para saber com precisão qual a origem destes que muito gostam de viver à sombra de Martinho Lutero. Até fazem questão de relembrar o dia 31 de Outubro, como marco histórico da reforma protestante, no entanto desprezam o mais importante dos seus ensinos.
Acham-se os salvadores do mundo, o facto de chamarem-se evangélicos, isso parece ser sinónimo de verdade absoluta, ninguém pode questionar os seus ensinos, sem que fique sob pena de represálias. Eles desvirtuaram por completo no seu meio, os verdadeiros sustentáculos da fé. Um cristianismo onde não se reconhece o baptismo como meio de graça para perdão dos pecados, Actos 2:38, e a ceia do Senhor como forma de termos real comunhão com o corpo e sangue do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, através do pão e vinho; pode muito bem ser religião, como também poderá ser política ou até mesmo uma filosofia humanista muito credível, mas vida eterna é algo que jamais poderá oferecer, com toda a certeza.
Achei ridícula a pretensão da mega operação evangelística: “Minha Esperança Portugal”. Tinham como alvo converter os portugueses a Cristo, como se o nosso país já não fosse cristianizado. O nosso povo não necessita de que se lhe fale de Cristo, mas sim daquilo que Ele ensinou. É neste aspecto que a Igreja Católica falha redondamente, assim como os evangélicos, pois nem uns, nem outros, ensinam coisa alguma. No mínimo o catolicismo ainda dá um bom começo aos seus fiéis submetendo-os ao santo baptismo desde a infância.
Se os evangélicos estão realmente preocupados com a situação espiritual do povo português, é bom que comecem por eles próprios e seus filhos. A A. P. E. C. – “Aliança Pró-evangelização de Crianças”, está vocacionada para evangeliza-las, façam bom uso dela para com os seus próprios filhos, pois são eles que não têm salvação, porque ainda não foram submetidos ao baptismo para remissão dos pecados. Por causa disto levam muita desvantagem em relação às crianças católicas, que no mínimo já receberam o selo do Espírito Santo.
Para ser-se um bom cristão, não é absolutamente necessário mudar de religião, basta darmos ouvidos somente a Cristo através de sua santa palavra. Minha querida avó Florinda era um bom exemplo disso, enquanto esteve sob o meu cuidado, nunca precisou de mudar de religião. Ela conhecia o Cristo e obedecia-lhe, para mim era o quanto bastava. Na sua infância recebera o santo baptismo para remissão dos pecados, connosco comungava do verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Tive o privilégio de ao longo de anos vê-la crescer espiritualmente. Aos poucos foi-se libertando de imagens de culto, deixou de orar a anjos e a santos, todos os dias orava ao seu Senhor pelos seus mais chegados e ausentes, era uma autêntica anciã. Por fim acabou morrendo um pouco mais pobre, a idade também não perdoa, e o seu entendimento espiritual retrocedeu, talvez por culpa minha, por não estar apto para lidar com as astutas investidas do inimigo.
Um outro bom exemplo é o jovem Evandro Bettencourt. Já fez dois anos em Agosto que começou a trabalhar para nós. Logo no primeiro dia, fiz questão de sentar-me com ele e abri-me de tal forma, para que não houvesse dúvidas, quanto aquilo que sou e creio. Depois de alguns momentos de conversa, ele confessou que nunca ninguém lhe havia falado de religião como eu. Passado algum tempo disse-me: “desde que estou convosco, já aprendi muito mais, do que durante todo o tempo em que estive num colégio de freiras”.
Em Abril do ano passado quando decidimos criar o nosso blog, tudo ficou ao seu encargo, inclusive o título do mesmo: “Deus nas escrituras”. Como auxílio para tudo isto, ele também socorreu-se a um irmão seu, ao qual também estou muito grato.
Que mais posso eu exigir de uma pessoa assim? Também já foi baptizado na sua infância, assim como sua esposa e filho, escusam de fazê-lo novamente. Colabora comigo dedicadamente na elaboração dos meus textos junto com sua esposa, através dos quais também recebem alguma instrução. O único pormenor que me preocupa, é o facto de nunca terem comungado do verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois infelizmente na Igreja Católica, só se oferece o corpo de Cristo aos leigos, o sangue de Cristo, esse é só para os sacerdotes.
Quando assim se procede, aquilo que é realmente sério, passou a ser brincadeira de mau gosto. Mas se porventura, alguma vez mostrarem o desejo de comungar connosco, nunca lhes será exigido, que se tornem luteranos, isso seria pura chantagem, ao mais baixo nível.
Neste momento creio já ter chegado àquele nível em que ninguém deverá ter a ousadia de tentar enganar-me com a Bíblia na mão. Tornei-me perito no seu manuseamento, o Senhor não me deu tréguas enquanto não fez de mim guerreiro de alta competição, embora já tardio, Efésios 6:10-20. Não tenho a certeza de que esteja preparado para ensinar quem quer que seja, no mínimo vou cuidar dos meus até ao fim, e enquanto o Senhor da glória não me chamar, certamente que não me irei calar.
Dedico toda esta autobiografia, primeiramente aos meus dois filhos, por lhes ter sido rejeitado o baptismo na sua infância e também a todas as crianças às quais lhes é negado o mesmo. Minha luta por elas ainda não terminou. Ao longo destes 21 anos, nunca deixei de debruçar-me sobre a sua situação. Sempre de novo ouço Jesus dizer: “Deixai vir os meninos a mim, e não os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus”. Mc 10:14. O Senhor nunca pretendeu dizer que o facto de se ser criança era um mérito para que elas de imediato tivessem acesso directo ao reino. Claro está em suas palavras, que elas primeiro têm que passar por Ele, foi o mesmo Jesus que disse: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”. João 14:6.

 E isto só pode acontecer mediante o baptismo, onde o Senhor Jesus, o Pai e o Espírito Santo se fazem representar pelo ministro. Jamais o ritual evangélico de se entregar as crianças a Jesus, poderá substituir o meio da graça que Ele instituiu, pois trata-se de pura tradição religiosa, desprovida de qualquer tipo de promessa divina. As crianças não só fazem parte do alvo da grande comissão dada por Jesus aos seus discípulos, relatada em Mt 28:19, como também constam na escritura que diz: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus… como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim, também, a morte passou a todos os homens, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança de Adão… por isso todos pecaram… o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor”. Rom 3:23; 5:12, 14; 6:23.
Se a maldição recai sobre as crianças, mesmo sem que elas tenham consciência do pecado, porque não ministrar-lhes o dom gratuito, antes de atingirem a idade da razão?
Tenho plena consciência, e isto por experiência própria, que falar disto para um evangélico, é pura perca de tempo, nem vale a pena discutir. Mas qualquer cristão espiritual, entende a minha linguagem, por mais humilde que seja.
Finalmente dedico esta autobiografia à minha querida esposa por nunca ter-me desamparado em todas as provas, à memória da minha querida avó Florinda, que espero um dia lá na glória abraçar e à minha querida mãezinha, pois a ela devo muito daquilo que eu sou. Foi ela a primeira a ensinar-me que deveria amar a  Deus acima de todas as coisas.

Dou por concluído todo este meu trabalho, usando a seguinte escritura: “Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade:… Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor, escolhei hoje a quem sirvais:… porém, eu e a minha casa serviremos ao Senhor”. Josué 24:14, 15.