Sou camponês, filho de camponeses, meu avô paterno vendia
peixe de porta em porta, carregando-o aos ombros com pau de carreto e cestos de
vime. Meu avô materno era camponês e também conhecedor da arte de carpinteiro e
marceneiro. Meu pai era analfabeto, no entanto sabia assinar o seu nome fazia
contas de cálculo mental como poucos. Minha mãe completou a 4ª classe, assim
como todos os seus filhos, foi este o mais alto grau de escolaridade que nos
conseguiram dar. Além disto como açorianos que somos, temos alguma tradição
religiosa, tanto quanto sei, todos os nossos antepassados, eram católicos
romanos.
Nunca fui muito assíduo às missas, mas também meus pais não
me davam o melhor exemplo. De meu pai não tenho memória de que alguma vez
acompanhasse a família à igreja, à excepção de alguns funerais ou casamentos.
De minha mãe lembro-me de que algumas vezes nos acompanhava, mas na maioria dos
casos eu ia à missa sozinho. De meus pais e padrinhos, tenho o testemunho de
que fui submetido ao Santo Baptismo na minha infância. Também fiz catequese e
primeira comunhão. Ao passar pela fase da rebeldia, simplesmente recusei-me a
fazer o crisma.
Minha querida mãe, apesar de ter que lidar com algumas
adversidades em relação ao seu matrimónio, nunca descuidou a educação moral e
religiosa dos seus cinco filhos, dos quais eu sou o primogénito, seguido de
quatro irmãs. Em nossa casa havia um novo testamento e também um volume só com
os quatro evangelhos. Lembro-me perfeitamente de um dia nossa mãe escrever os
dez mandamentos, cada um deles na sua cor, usando nossas canetas de feltro
escolares. Da mesma forma procedeu com as obras de misericórdia, emoldurando
cada uma das peças, colocando-as numa parede bem visível da nossa cozinha.
Recordo com alegria aqueles momentos em que antes do deitar, líamos em conjunto
estas autênticas obras de arte materna.
Regularmente também ouvíamos programas religiosos na rádio
tais como: “Voz Baptista açoriana”, “Voz da esperança”, da Igreja Adventista e
“Novas de alegria”, um programa da Igreja Pentecostal, “Assembleia de Deus”.
Como consequência de tal busca espiritual, nosso conhecimento
das escrituras foi crescendo, assim como uma sede cada vez maior, de pureza e
verdade em relação às coisas de Deus. Certo dia, nossa mãe tomou a iniciativa
de escrever para o programa “Novas de alegria”, para que nos enviassem alguma
literatura, por fim acabámos por receber a visita do pastor da Igreja
assembleia de Deus, o qual nos convidou a assistirmos a um dos cultos em Angra
do Heroísmo, na Rua do Cardoso. A partir daqui tornámo-nos todos membros
activos dessa mesma Igreja, à excepção do nosso pai.
O nosso percurso dentro desta comunidade, durou cerca de oito
anos, onde acabei por exercer cargo de liderança junto com o pastor. Ao fim de
quase seis anos, começou a haver algum desconforto entre nós os dois, não por
questões doutrinárias, pois o meu entendimento das escrituras ainda não chegava
a tanto, nem tão pouco por questões de liderança, mas por má conduta do líder,
que aos poucos ia-me decepcionando.
Durante esse período de descontentamento, recebi um convite
por escrito de uma organização chamada “Associação de Igrejas de Cristo”, para
assistir a uma conferência para o crescimento da Igreja, a realizar-se no
Centro Bíblico de Esmoriz, com oradores vindos dos Estados Unidos da América.
Nessa altura já havia abandonado a casa do meu pai, infelizmente por má
influência daquele que se dizia ser meu pastor. Um dia este senhor teve a
ousadia de dizer de forma arrogante, perante toda a congregação que se quisesse
enganaria todos os membros com a Bíblia na mão. Quando tal proferiu eu até
achei graça, acreditava nele cegamente sem questionar, nunca pensei que fosse
capaz de o fazer. Mas a partir do momento em que comecei a perceber que a minha
confiança estava a ser traída, prometi a mim mesmo, que um dia havia de
conhecer tão bem as escrituras sagradas e manejá-las de tal forma, que jamais
alguém ousaria enganar-me.
Como consequência dos meus próprios actos, aquele que antes
vivia confortável na casa do seu pai, trabalhando honestamente como camponês,
agora não tinha emprego e também não tinha dinheiro. No entanto aquele convite
parecia-me a porta de escape, para ver-me livre de toda aquela desilusão.
Desabafei com minha mãe, para minha surpresa ela também concordava que a
solução era eu ter que sair da Ilha por algum tempo. Prontamente ela e minhas
irmãs providenciaram o necessário para a minha viagem.
A passagem de avião foi comprada no valor de ida e volta, mas
sem data marcada para o meu regresso. Apesar de saber que tinha tudo garantido
por uma semana a cargo da A. I. C., esse tempo era demasiado curto para quem
precisava desesperadamente cortar radicalmente com certos laços nocivos. Quis
acreditar fortemente que durante este curto espaço de tempo, algo mais haveria de
acontecer, porque simplesmente tinha que acontecer.
Minha partida para Lisboa deu-se a 21 de Fevereiro de 1988,
no dia seguinte tomei de novo avião rumo ao Porto. Ao tomar um táxi dirigi-me
para o C. B. E, onde receberam-me de braços abertos e fui simpaticamente
instalado. Nesse mesmo dia a conferência foi iniciada depois do almoço. Aí
conheci um senhor do qual me tornei amigo quase inseparável. Durante todo o
tempo em que decorreu a conferência em Esmoriz, também todos os dias à noite
realizava-se no Auditório de Espinho um evento especial com os mesmos oradores.
Foi aí que, a 22 de Fevereiro do mesmo ano, fui apresentado pelo meu amigo a
uma bonita e simpática jovem, que estava toda atarefada cuidando dos arranjos
florais no Auditório, da seguinte forma: “Eduarda, este jovem é dos Açores,
peço-te que tomes conta dele, para que não se sinta deslocado.” E assim foi,
até ao dia de hoje.
Também no Auditório de Espinho, fui apresentado pela jovem
Eduarda, a uma amiga sua, um pouco mais velha do que minha mãe, a qual
perguntou-me por quanto tempo eu pretendia ficar no Continente. Eu não
conseguia acreditar no que estava a ouvir, era a minha deixa, a minha única
oportunidade, para que fosse possível ficar longe da família por mais algum
tempo. Prontamente respondi-lhe que se houvesse alguém que me quisesse adoptar
por algum tempo, eu ficaria. No dia seguinte esta senhora, depois de haver
falado com o marido, deu-me resposta positiva, e durante cinco meses fui muito
bem acolhido como filho, num novo lar, longe daqueles que mais amava e da minha
querida Ilha, torrão no meio do Atlântico, com cheiro a terra e de mar, que faz
vibrar todo o meu ser.
Em todo esse tempo em que residi no meu novo lar, na
freguesia de Paramos, frequentei um curso bíblico em Vila Nova de Gaia. A par
disto, dominicalmente, eu e minha noiva colaborávamos junto com outros líderes
dando apoio em serviços religiosos em Vila Nova de Cerveira, Paredes de Coura,
Régua e Lamego. Concluído o instituto bíblico em Gaia, era já chegada a hora de
regressar novamente à Ilha. A 5 de Agosto de 1988 eu e Eduarda casámo-nos pelo
Registo Civil de Espinho, e no dia 7 do mesmo mês, já casado com minha jovem
esposa Berta, viajámos rumo à Terceira, onde realizámos a cerimónia religiosa a
25 de Setembro do mesmo ano, na Igreja Evangélica assembleia de Deus.
Após quase seis meses de ausência, nada parecia haver mudado.
Apenas eu deixara de ser um jovem solteiro, e passara a ser um homem casado.
Ainda ligados a esta denominação, nasceram os nosso dois filhos. Por fim, dadas
as circunstâncias, tornou-se impossível continuar a fazer parte desta
comunidade, a iniquidade estava a tornar-se tal, que não levaria muito tempo e
eu seria confundido com situações que em
nada me diziam respeito.
Como já tínhamos desenvolvido alguma amizade com alguns
membros da Igreja Evangélica Baptista, muito em especial com o seu pastor,
Lúcio Casassanta, o qual representou o papel de pai de minha esposa no dia do
nosso casamento, o mesmo senhor algumas vezes nos convidava para que
participássemos na sua Igreja com alguns cânticos, pois achava-nos
especialmente dotados no campo da música. Guardamos com grata satisfação esses
breves momentos. Por esta causa, eu, minha esposa e filhos começámos a
frequentar com regularidade esta Igreja, agora já sob a liderança de outro
pastor. Pouco tempo depois, minha mãe e irmãs seguiram-nos o exemplo. Nossa
assiduidade tornou-se notória, e foi-nos feito o convite para que nos
tornássemos membros oficiais, de bom grado aceitámos e assim permanecemos por
uns bons quatro anos. Também aqui exerci cargos de liderança, fui professor de
escola bíblica dominical para adultos, promovi alguns concursos bíblicos, minha
esposa chegou a ser líder daquilo a que chamavam de união feminina, órgão esse
que se ocupava de alguns eventos especiais. Durante o nosso percurso nesta nova
comunidade, aconteceu algo que para mim foi muito importante: a família voltava
novamente a estar toda junta, pois quando abandonei meu pai, pouco tempo
depois, minha mãe e irmãs seguiram-me o mau exemplo, e tudo isto em nome de
Jesus.
É verdade que às vezes meu pai tornava-se implicativo por
causa da religião, mas também lá tinha os seus motivos, o pastor da Igreja
assembleia de Deus era muito convencido, gabava-se de que todas as mulheres da
sua Igreja apaixonavam-se por ele. Também gabava-se de já haver separado muitas
famílias, e ainda haveria de separar muitas mais, “tudo isto em nome de Jesus e
por amor a Ele”.
Parece inacreditável, se tudo isto não fizesse parte da minha
história, eu diria que alguém estaria a inventar. Mas estou grato a Deus,
porque novamente nos reuniu, usando para isso minha jovem esposa e o pastor da
nossa nova Igreja. Lamento que por esta causa, minha querida mãe tivesse que
sofrer mais algumas situações desagradáveis, pois meu pai era muito ciumento e
um pouco ganancioso. Este era o pai que eu tinha, simplesmente eu não o
conseguia odiar.
Por fim a 25 de Novembro de 1993, meu pai faleceu com apenas
61 anos de idade, vítima de uma embolia. Muitas vezes quando entro em
depressão, quase sempre sinto-me culpado pela sua morte prematura. Fico a
pensar que talvez o choque da separação da família, possa ter acelerado todo o
processo que o vitimou. Por tudo isto, já pedi perdão ao meu bom Deus, e espero
que no último dia, o dia da sua grande glória, Ele não me expulse de sua
presença.
Como consequência desta situação fúnebre, começámos a ter um
relacionamento mais próximo com um primo meu, para nossa surpresa ficámos a
saber que ele era luterano, e o único naquela altura cá na Ilha. Como é óbvio,
começámos a dialogar sobre temas religiosos, até que chegámos ao ponto de
falarmos sobre assuntos doutrinários, inclusive o baptismo de crianças. Ao
ingressar no mundo evangélico, fiquei convicto de que o baptismo de adultos era
o único correcto, e que o baptismo infantil, era pura invenção da Igreja
Romana. Ao conversar profundamente sobre esta temática com o meu primo, tive
que repensar todas as minhas convicções. Tínhamos dois filhos pequenos, o mais
velho com 4 anos e o outro com 3 anos de idade. Se ele tinha razão naquilo que
afirmava crer, eu estava profundamente em falta para com os nossos filhos. A
partir deste momento e durante um ano, não fiz outra coisa que não fosse
debruçar-me sobre a questão do baptismo de crianças. Consultei as escrituras e
a própria história da Igreja, para encontrar o elo de ligação. Tirada a
conclusão propus a toda Igreja o desafio de debatermos todo este assunto de
forma séria, para que a situação dos nossos filhos fosse regularizada. Exigi
também a presença de líderes responsáveis vindos do Continente, pois queria a
todo o custo que alguém me justificasse com que autoridade negavam o baptismo
às crianças, e com que autoridade também afirmavam que o baptismo nada tem a
ver com a salvação. Posto isto, a esposa do pastor perguntou-nos se os nossos
filhos fossem baptizados, se tudo ficaria resolvido. Eu respondi-lhe que não,
pois a minha luta já deixara de ser familiar, também tinha em vista todas as
crianças a quem lhes era negado este sacramento.
Finalmente em finais de Novembro de 1994, foi convocada uma
reunião extraordinária com a presença de um pastor vindo da Ilha do Faial.
Foi-me dito ser impossível a vinda de líderes continentais. Aceitei da mesma
forma o desafio, já sentia-me cansado de tanta luta, a situação dos nossos
filhos, simplesmente tinha que ser resolvida. Ao saber da data do evento,
limitei-me a reunir tudo aquilo que tinha aprendido durante um ano de busca
exaustiva por pureza e verdade nesta matéria. Chegado o dito dia, havia
suspense em todo o meu ser, e muito nervosismo à mistura, tudo em mim estava
expectante quanto ao desenrolar dos acontecimentos.
A princípio o pastor queria começar por debater os temas,
criando assim um ambiente de discussão. Eu me opus, argumentando que queria
unicamente ser ouvido, quanto às minhas questões e que então no final a Igreja
avaliasse e desse o seu veredicto. Depois de alguma hesitação, lá me foi
permitido que expusesse as minhas ideias. Tomei a palavra, e comecei a expor
tudo quanto havia na minha alma, mas não demorou muito e começaram a
interromper-me, não só os líderes, mas também os filhos do pastor. Simplesmente
não me queriam ouvir, com tal atitude recusavam-me a oportunidade de concluir
os meus raciocínios, queriam a todo o custo defender de forma cega os seus princípios
doutrinários infundamentados, no que diz respeito às escrituras sagradas.
Depois de algum tempo o ambiente tornou-se tal que era-me impossível continuar.
À minha frente só conseguia ver pessoas meneando a cabeça, outras sussurravam e
ainda outras quase queriam fazer gozo com a situação. Por fim, a muito custo,
restou-me apenas oportunidade para dizer a todos os presentes, que a partir
daquele momento, eu, minha esposa e filhos, deixaríamos de fazer parte daquela
Igreja. Desta feita, tanto minha mãe, como irmãs, não nos seguiram o exemplo.
Sei que parece ousado alguém que se encontra em clara
minoria, fazer frente a falsas doutrinas que já têm séculos de existência, mas
o facto é que Deus nunca está do lado do maior ou menor número, unicamente nós é
que podemos estar do lado Dele ou contra Ele. Eu preferi escolher a melhor
parte. Só com Deus poderei ser mais do que vencedor. Só Ele é o único
triunfador em causas perdidas. É o único que nos capacita, para derrotarmos
gigantes com um simples seixo e uma funda. Este é o poder da sua santa palavra.
Dois ou três dias depois de havermos tomado esta decisão,
alguém telefonou à minha esposa, aconselhando-a a ir à Igreja com os nossos
filhos, deixando-me desta forma completamente sozinho e desarmado, com uma luta
sem causa. Este era o último trunfo do inimigo: dividir para poder reinar.
Louvo a Deus por ela, por nunca me ter abandonado, nem à família, sempre
confiou na minha liderança espiritual e até me estimulava a que incessantemente
buscasse verdade no que dizia respeito ao baptismo dos nossos filhos, para que
tudo se resolvesse o mais breve possível.
Apesar de estar demasiado desgastado com esta situação, não
podia de forma alguma baixar os braços, os nossos filhos precisavam
urgentemente de serem baptizados. Para tornar isto possível adquiri o contacto
telefónico do pastor luterano em Portugal, através do meu primo.
Neste entretanto, o pastor baptista tentou por formas
indirectas e incorrectas que voltássemos atrás na nossa decisão. Frustrada a
sua expectativa resolveu então escrever-nos uma carta pastoral, que nos veio
ter a casa via correio, para dar-nos a notícia de que estávamos a ser dirigidos
pelo diabo, carta essa, que ainda hoje a tenho guardada como documento e triste
recordação. Se realmente fomos orientados pelo diabo, quanto à intenção de
baptizarmos os nossos filhos, neste rol também devem ser incluídos todos os
católicos, luteranos, ortodoxos, anglicanos, presbiterianos e metodistas, todos
eles baptizam crianças, e segundo reza a história, esta bela tradição tem suas
raízes na era apostólica, tendo como base todo o apoio implícito das
escrituras.
Decididamente resolvi então telefonar para o pastor luterano,
Adalberto Hiller, ao qual expliquei toda a nossa situação e intenção de
baptizarmos nossos filhos, sem termos que forçosamente tornarmo-nos membros da
Igreja Luterana. Ele aceitou o desafio, pois o que realmente era importante no
momento, era regularizar a situação espiritual dos nossos filhos.
No primeiro fim-de-semana de Janeiro de 1995, aquele
simpático senhor apresentou-se em nossa casa, junto com o meu primo que no-lo
apresentou. Nesta altura morávamos com minha avó desde o nosso casamento.
Tivemos oportunidade para conversarmos sobre alguns assuntos pendentes,
inclusive reafirmei nossa intenção de não nos filiarmos à Igreja Luterana, dado
o meu historial. Fora católico durante quase dezanove anos, pentecostal durante
oito anos e baptista quatro anos, agora receava não conseguir atingir ao menos
dois como luterano. Sentia-me demasiado cansado de religião, para voltar a
meter-me noutra. Por fim, ele perguntou-me: “Depois de baptizados os vossos
filhos, que tipo de alimento espiritual pretendes dar a eles?” Isso fez-me
reflectir seriamente. Jamais poderia andar para trás, isso seria proceder como
a porca lavada, que sempre volta à lama, e como o cão que novamente ingere o
seu próprio vómito. Reflectido isto, decidimos então, no dia do baptismo dos
nossos filhos tornarmo-nos membros oficiais da Igreja Evangélica Luterana
Portuguesa. Até este momento já decorreram quase 21 anos.
Agora quero aqui dedicar um espaço muito especial a um mui
nobre gesto por parte do reverendo Adalberto Hiller, antes de baptizar os
nossos filhos e de nos aceitar como luteranos, pediu-me o contacto do pastor
baptista, telefonou-lhe a marcar um encontro entre ambos, para justificar a
razão pela qual estava a proceder para connosco de tal forma. Guardo com doce
lembrança, tão nobre gesto, tornou-se para mim, uma lição de vida.
Agora finalmente regularizada toda a situação espiritual
familiar, era oportuno reorganizar a Igreja, que há alguns anos havia-se
desfeito, por má conduta de um antigo líder, que por cá havia passado.
Como o pastor não podia ter cá permanência, nem deslocar-se à
Ilha com regular frequência, decidimos eleger o estimado primo como nosso líder
espiritual, pois ele já dera provas de que era muito convicto e sabedor dos
princípios básicos e fundamentais da doutrina cristã. Também a partir daqui,
minha avó juntou-se a nós, não como membro oficial, mas sim como alguém sempre
presente. Participava de todas as reuniões, contribuía voluntariamente nas
colectas, e quando o pastor nos visitava, comungava junto connosco do corpo e
sangue de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Depois de uns bons quase dezoito anos que vivemos junto com a
minha avó Florinda, partilhando a mesma casa, em 2006 mudámo-nos para casa
própria, sempre sob a liderança do mui estimado primo. Ele não só fazia estudos
bíblicos connosco, como também ensinou o catecismo aos nossos filhos,
preparando-os desta forma não só para a 1ª comunhão, como também para a
confirmação de fé. Neste mesmo ano o meu primo conheceu na base aérea das
Lajes, onde era funcionário, uma jovem luterana vinda dos Estados Unidos da
América, como terapeuta da fala. Ela também juntou-se ao grupo e
abrilhantava-nos as reuniões e cultos tocando o seu violino. O seu pai também é
pastor luterano nos Estados Unidos da América. Esta jovem dotada de dinâmica
muito própria, começou a interessar-se a sério pela expansão luterana cá na
Ilha, e tanto ela como o seu pai, providenciaram tudo para que se tornasse possível termos cá um pastor
residente. Em Abril de 2007, tudo isso tornou-se realidade e a 10 de Junho do
mesmo ano, inaugurámos a nossa própria capela, assim como realizou-se a
cerimónia da instalação oficial do novo pastor. Até Maio de 2009, foi esta a
nossa nova realidade. Para além de membro sempre presente, eu dava também meu
contributo nos cultos e reuniões de estudo bíblico, acompanhando os cânticos
com o meu violão. Foram para mim uns bons catorze anos de aprendizado, onde
nunca ocupei nenhum cargo de liderança.
Com a desinstalação do pastor residente e a impossibilidade
financeira de se chamar outro para o substituir, voltámos ao sistema anterior,
desta vez sob a minha liderança, eleito de forma legítima pela congregação Bom
Pastor. Sob a nova liderança o destino desta comunidade parecia estar condenado
ao fracasso, aos poucos ela foi mingando, a jovem americana teve que regressar
ao seu país, os nossos filhos foram estudar para Lisboa e o estimado primo
também aos poucos foi-se desligando por razões de foro íntimo. Por último
restava-me apenas minha esposa, uma outra senhora e a querida avó Florinda, que
com os seus mais de noventa anos, fazia questão que a fôssemos buscar para
reunir-se connosco. Agravando-se o seu estado de saúde, passámos nós a ir à sua
casa, para assim nos reunirmos, realizando desta forma os nossos estudos bíblicos,
onde por vezes tínhamos a presença de uma tia irmã de minha mãe, ou a presença
dos meus padrinhos de baptismo quando cá estavam vindos dos Estados Unidos da
América.
Esta rotina manteve-se até Fevereiro de 2011. Era
sexta-feira, dia 4 do mês, quando recebemos a notícia, através do nosso filho
Miguel, de que o irmão estava com P. I. G. – Perturbação de Identidade de
Género (transexualidade). Aqui o inimigo aproveitou-se bem para nos dar a
golpada fatal. Ficámos de rastos, parecia-nos faltar o mundo debaixo dos nossos
pés. Deixámos de ter condições de poder continuar a dar assistência espiritual
à querida avó. A situação parecia-nos tão sufocante e inédita, que nem a
conseguíamos partilhar com ninguém, nem mesmo com familiares, isolámo-nos por
completo.
Passado algum tempo, esta mui querida anciã, dá-nos um
convite para assistirmos ao seu baptismo na Igreja Evangélica Baptista de Angra
do Heroísmo. Parecia que o inimigo não se cansava de golpear-nos, já estávamos
tão dormentes de tanta dor, que nem conseguíamos reagir a nada. Não lhe fizemos
desfeita, sua idade já era demasiado avançada para que eu me desse ao luxo de a
tentar chamar à razão, por isso comparecemos e abraçámo-la. A minha grande
mágoa não vem dela, ela nunca foi membro oficial da Igreja Luterana, sempre
respeitei a sua posição, no entanto era minha ovelha. A minha intensa dor
estava intimamente ligada à escritura que diz: “Fere o Pastor, e espalhar-se-ão
as ovelhas.” Zac 13:7. Eu simplesmente não tinha muitas ovelhas para espalhar,
arrebataram-me unicamente a ovelhinha gorda que eu tinha. Não só nos fizemos
presentes no seu batismo, como também no seu funeral em Setembro de 2014. Em
ambas as cerimónias estivemos presentes e nunca houve ninguém que viesse até
nós, nem mesmo o líder desta dita Igreja, para que no mínimo nos desse alguma
explicação para tudo aquilo que estava a acontecer. Com um simples gesto nobre,
muita dor tinha sido evitada, assim como alguma tinta derramada, numa
autobiografia que poderia muito bem ser escusada.
Agora todo o meu ser clama por justiça, sinto-me traído por
aqueles que dizem-se meus irmãos na fé, golpearam-me pelas costas,
aproveitando-se de um momento de debilidade. Subestimaram minha liderança
espiritual. Consideraram que durante todo o tempo em que minha avó esteve sob o
meu cuidado, nunca esteve realmente salva e que somente através deles, teve
acesso ao verdadeiro plano de salvação. Há 21 anos atrás, deixaram-nos partir,
negando aos nossos filhos a entrada no reino dos céus, através das águas do
baptismo, agora arrebatam uma ovelha minha de forma pouco ortodoxa. Chegou a
hora de clamar ao mundo inteiro e dizer: “Basta!”.
Nas escrituras encontro este conforto: “mas volverei a minha
mão para os pequenos.” Zac 13:7; e, “Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque eles serão fartos.” MT 5:6.
Nesta minha autobiografia, quero salvaguardar um único líder
evangélico. Na altura em que se deu a cisão entre nós e a Igreja Baptista,
houve um jovem estudante de teologia, que ao vir à Ilha de férias no Natal de
1994, tomando conhecimento de tudo o que se estava a passar, teve a delicadeza
de vir a nossa casa falar connosco, demonstrando desta forma uma preocupação
espiritual genuína e até paternal, embora seja um pouco mais novo do que eu.
Debatemos durante algum tempo os assuntos em questão, não
chegando a algum entendimento possível, mas valeu a intenção e a sincera
preocupação. Neste momento é o único líder evangélico, que perante mim tem
moral e está autorizado a abordar-me sobre qualquer tema teológico ou
doutrinário. Quando nos despedimos, proferiu estas palavras: “tu não brincas
quando estás em serviço”.
Quando saímos da Igreja Pentecostal assembleia de Deus, o
pastor procedeu como mercenário, de quem não são as ovelhas, simplesmente não
nos procurou para inteirar-se de qual seria realmente a razão do nosso
descontentamento, e o pastor baptista limitou-se a enviar-nos uma carta
pastoral via correio, considerando-nos satânicos.
Alguns anos mais tarde, estando a Igreja Baptista já sob nova
liderança pastoral, surgiu uma situação da qual não vou relatar os pormenores,
mas o facto é que todos ficaram com a ideia de que nós queríamos regressar
novamente à Igreja, mas o que eu realmente pretendia, era que pudéssemos agora,
uma vez que os ânimos estavam mais calmos, voltar a pôr em cima da mesa os
mesmo assuntos, que outrora ficaram pendentes. Afim de certificar-se qual era
realmente a minha intenção, o novo pastor deslocou-se certo dia ao meu local de
trabalho para falar comigo. Eu expus-lhe claramente qual o meu intuito, e ele
tornou-me por resposta, de que iria falar com os diáconos da Igreja para ver o
que se podia fazer. Ainda hoje estou curioso por saber qual foi o parecer da
diaconia. Já se passaram mais alguns anos, esse senhor já está a pastorear uma
outra Igreja no Continente. Fico deveras a pensar a quem servem realmente estes
senhores.
Na actualidade, os evangélicos têm-se agigantado um pouco por
todo o mundo, devendo-se esse facto à liberdade de expressão e às novas
tecnologias. Não sei o suficiente da história para saber com precisão qual a
origem destes que muito gostam de viver à sombra de Martinho Lutero. Até fazem
questão de relembrar o dia 31 de Outubro, como marco histórico da reforma
protestante, no entanto desprezam o mais importante dos seus ensinos.
Acham-se os salvadores do mundo, o facto de chamarem-se
evangélicos, isso parece ser sinónimo de verdade absoluta, ninguém pode
questionar os seus ensinos, sem que fique sob pena de represálias. Eles
desvirtuaram por completo no seu meio, os verdadeiros sustentáculos da fé. Um
cristianismo onde não se reconhece o baptismo como meio de graça para perdão
dos pecados, Actos 2:38, e a ceia do Senhor como forma de termos real comunhão
com o corpo e sangue do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, através do pão e
vinho; pode muito bem ser religião, como também poderá ser política ou até
mesmo uma filosofia humanista muito credível, mas vida eterna é algo que jamais
poderá oferecer, com toda a certeza.
Achei ridícula a pretensão da mega operação evangelística:
“Minha Esperança Portugal”. Tinham como alvo converter os portugueses a Cristo,
como se o nosso país já não fosse cristianizado. O nosso povo não necessita de
que se lhe fale de Cristo, mas sim daquilo que Ele ensinou. É neste aspecto que
a Igreja Católica falha redondamente, assim como os evangélicos, pois nem uns,
nem outros, ensinam coisa alguma. No mínimo o catolicismo ainda dá um bom
começo aos seus fiéis submetendo-os ao santo baptismo desde a infância.
Se os evangélicos estão realmente preocupados com a situação
espiritual do povo português, é bom que comecem por eles próprios e seus
filhos. A A. P. E. C. – “Aliança Pró-evangelização de Crianças”, está
vocacionada para evangeliza-las, façam bom uso dela para com os seus próprios
filhos, pois são eles que não têm salvação, porque ainda não foram submetidos
ao baptismo para remissão dos pecados. Por causa disto levam muita desvantagem
em relação às crianças católicas, que no mínimo já receberam o selo do Espírito
Santo.
Para ser-se um bom cristão, não é absolutamente necessário
mudar de religião, basta darmos ouvidos somente a Cristo através de sua santa
palavra. Minha querida avó Florinda era um bom exemplo disso, enquanto esteve
sob o meu cuidado, nunca precisou de mudar de religião. Ela conhecia o Cristo e
obedecia-lhe, para mim era o quanto bastava. Na sua infância recebera o santo
baptismo para remissão dos pecados, connosco comungava do verdadeiro corpo e
sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Tive o privilégio de ao longo de anos
vê-la crescer espiritualmente. Aos poucos foi-se libertando de imagens de
culto, deixou de orar a anjos e a santos, todos os dias orava ao seu Senhor
pelos seus mais chegados e ausentes, era uma autêntica anciã. Por fim acabou
morrendo um pouco mais pobre, a idade também não perdoa, e o seu entendimento
espiritual retrocedeu, talvez por culpa minha, por não estar apto para lidar
com as astutas investidas do inimigo.
Um outro bom exemplo é o jovem Evandro Bettencourt. Já fez
dois anos em Agosto que começou a trabalhar para nós. Logo no primeiro dia, fiz
questão de sentar-me com ele e abri-me de tal forma, para que não houvesse
dúvidas, quanto aquilo que sou e creio. Depois de alguns momentos de conversa,
ele confessou que nunca ninguém lhe havia falado de religião como eu. Passado
algum tempo disse-me: “desde que estou convosco, já aprendi muito mais, do que
durante todo o tempo em que estive num colégio de freiras”.
Em Abril do ano passado quando decidimos criar o nosso blog,
tudo ficou ao seu encargo, inclusive o título do mesmo: “Deus nas escrituras”.
Como auxílio para tudo isto, ele também socorreu-se a um irmão seu, ao qual
também estou muito grato.
Que mais posso eu exigir de uma pessoa assim? Também já foi
baptizado na sua infância, assim como sua esposa e filho, escusam de fazê-lo
novamente. Colabora comigo dedicadamente na elaboração dos meus textos junto
com sua esposa, através dos quais também recebem alguma instrução. O único
pormenor que me preocupa, é o facto de nunca terem comungado do verdadeiro
corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois infelizmente na Igreja
Católica, só se oferece o corpo de Cristo aos leigos, o sangue de Cristo, esse
é só para os sacerdotes.
Quando assim se procede, aquilo que é realmente sério, passou
a ser brincadeira de mau gosto. Mas se porventura, alguma vez mostrarem o
desejo de comungar connosco, nunca lhes será exigido, que se tornem luteranos,
isso seria pura chantagem, ao mais baixo nível.
Neste momento creio já ter chegado àquele nível em que
ninguém deverá ter a ousadia de tentar enganar-me com a Bíblia na mão.
Tornei-me perito no seu manuseamento, o Senhor não me deu tréguas enquanto não
fez de mim guerreiro de alta competição, embora já tardio, Efésios 6:10-20. Não
tenho a certeza de que esteja preparado para ensinar quem quer que seja, no
mínimo vou cuidar dos meus até ao fim, e enquanto o Senhor da glória não me
chamar, certamente que não me irei calar.
Dedico toda esta autobiografia, primeiramente aos meus dois
filhos, por lhes ter sido rejeitado o baptismo na sua infância e também a todas
as crianças às quais lhes é negado o mesmo. Minha luta por elas ainda não
terminou. Ao longo destes 21 anos, nunca deixei de debruçar-me sobre a sua
situação. Sempre de novo ouço Jesus dizer: “Deixai vir os meninos a mim, e não
os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus”. Mc 10:14. O Senhor nunca
pretendeu dizer que o facto de se ser criança era um mérito para que elas de
imediato tivessem acesso directo ao reino. Claro está em suas palavras, que
elas primeiro têm que passar por Ele, foi o mesmo Jesus que disse: “Ninguém vem
ao Pai senão por mim”. João 14:6.
E isto só pode
acontecer mediante o baptismo, onde o Senhor Jesus, o Pai e o Espírito Santo se
fazem representar pelo ministro. Jamais o ritual evangélico de se entregar as
crianças a Jesus, poderá substituir o meio da graça que Ele instituiu, pois
trata-se de pura tradição religiosa, desprovida de qualquer tipo de promessa
divina. As crianças não só fazem parte do alvo da grande comissão dada por
Jesus aos seus discípulos, relatada em Mt 28:19, como também constam na
escritura que diz: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus…
como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim,
também, a morte passou a todos os homens, até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança de Adão… por isso todos pecaram… o salário do pecado é a morte, mas
o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor”. Rom
3:23; 5:12, 14; 6:23.
Se a maldição recai sobre as crianças, mesmo sem que elas
tenham consciência do pecado, porque não ministrar-lhes o dom gratuito, antes
de atingirem a idade da razão?
Tenho plena consciência, e isto por experiência própria, que
falar disto para um evangélico, é pura perca de tempo, nem vale a pena
discutir. Mas qualquer cristão espiritual, entende a minha linguagem, por mais
humilde que seja.
Finalmente dedico esta autobiografia à minha querida esposa
por nunca ter-me desamparado em todas as provas, à memória da minha querida avó
Florinda, que espero um dia lá na glória abraçar e à minha querida mãezinha,
pois a ela devo muito daquilo que eu sou. Foi ela a primeira a ensinar-me que
deveria amar a Deus acima de todas as
coisas.
Dou por concluído todo este meu trabalho, usando a seguinte
escritura: “Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com
verdade:… Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor, escolhei
hoje a quem sirvais:… porém, eu e a minha casa serviremos ao Senhor”. Josué
24:14, 15.